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terça-feira, 20 de maio de 2014

Sem feminismo não há agroecologia! Carta das mulheres no ENA*

Da MMM

(*) III Encontro Nacional de Agroecologia 
As mulheres inventaram a agroecologia, elas constroem agroecologia assim como suas mães e avós que a praticavam mesmo sem saber este nome. Mas foi a resistência delas que garantiu a existência de diversidade de sementes e práticas que hoje permitem que estejamos aqui e que de outra forma teriam se perdido pela difusão da revolução verde.
As mulheres investem na agroecologia porque para elas a agroecologia está dando certo. Para dizer isto elas usam critérios que não se referem somente a dinheiro, elas valorizam o autoconsumo e o fato de suas famílias comerem bem, com qualidade (sem veneno), e que faz bem para a saúde. Junto com o conhecimento e o plantio de plantas medicinais as mulheres e seus filhos valorizam que não precisam ir ao médico.
Plenária de mulheres no ENA. Foto: Fabio Caffe
ENA 2014
Além do autoconsumo as mulheres querem ter renda. Ter iniciativas econômicas próprias, mas também que o recurso da venda dos produtos cultivados com o trabalho de todos seja repartido entre todos. Pois, em geral há uma ideia de que o trabalho é da família, mas o rendimento é do homem que dá para a mulher porque ele é bom e não porque é direito dela. Na comercialização, muitas vezes, o produto feito pelas mulheres é vendido com o nome dos homens, e assim eles que levam a fama de produtores e não a mulher que realmente produziu.
O conflito na gestão do dinheiro é uma expressão da desigualdade de gênero na família. Como afirma o feminismo, o “pessoal é político”. Então, este é um tema para debater entre nós e nos espaços dos movimentos. Este conflito se expressa na sociedade, que se baseia numa divisão sexual do trabalho, quando as mulheres realizam trabalhos considerados de homem e são “mal vistas”. Queremos quebrar esta barreira e, ao mesmo tempo, que os homens assumam as tarefas consideradas de mulheres como o cuidado dos filhos e da casa. Também se expressa na relação com o Estado quando as demandas das mulheres não são consideradas, como, por exemplo, a ausência de creches no campo e na floresta.
A violência contra as mulheres é a expressão mais dura deste conflito. Começamos a plenária das mulheres do III Encontro Nacional de Agroecologia nos indignando com o assassinato de uma companheira assentada do norte do Rio de Janeiro, e também lembramos de Ana Alice do Polo da Borborema.
A violência sexual e o assassinato de mulheres no campo e usada como forma de desestruturar as comunidades e abrir caminho para a ofensiva capitalista de pressão sobre os territórios.
Companheiras que vivem em comunidades de Fundo de Pasto, em áreas que se tornaram unidades de conservação, em áreas ameaçadas pelo agronegócio demonstram que o Estado não faz frente a esta ofensiva. O direito à terra e ao território é condição para a agroecologia. As mulheres conquistaram a titulação conjunta, mas para que esta conquista seja real é preciso ter reforma agrária. Não só o projeto de assentamento e regularização fundiária, mas enfrentar a concentração de terras resgatando as terras que está nas mãos do agronegócio para entregá-las a agricultoras e agricultores familiares e agricultura camponesa agroecológicas.
As mulheres denunciaram o controle das sementes pelas transnacionais e os transgênicos.
Esta pressão sobre os territórios se expressa também no corpo das mulheres. A violência, a prostituição em torno das grandes áreas de monocultivo e mineração, a medicalização das fases da vida da mulher, e na imposição de um padrão de beleza que considera que as mulheres com as mãos calejadas e a pele queimada não são bonitas.
Foram trazidas demandas em relação ao Estado, comemorada as conquistas, mas lembrado que muitas delas não se efetivam na realidade cotidiana por muitas barreiras institucionais.
Para além das demandas ao Estado, as mulheres compartilharam estratégias de autonomia frente às empresas, produzindo semente, água, e combinando autonomia dos territórios com autonomia das mulheres como pessoas.
O conceito de agroecologia toma forma na luta, na resistência e alternativas das pessoas que a constroi e que consideram a agroecologia como um modo de vida. Assim os movimentos ao ser parte deste processo trazem seus aportes, como nós mulheres estamos fazendo nesta plenária. Por isto não faz sentido o discurso de que enfrentar a desigualdade de gênero é sair do foco da agroecologia, isto é restringir agroecologia a um conjunto de técnicas fechadas e com necessidade de uma autoridade que a delimite.
É preciso considerar que entre nós mulheres também existem desigualdades, entre rurais e urbanas; negras e indígenas e brancas, discriminações em relação a mulheres lésbicas, a jovens e idosas. É preciso reconhecer, tratar com cuidado para que o protagonismo seja daquelas que vivenciam as opressão e combater todas as formas de exclusão e desigualdade.
O feminismo tem as mulheres como sujeito organizado e o principio de igualdade é para todas e todos.
Juazeiro/BA, 17 de maio de 2014.

Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

O que é? 

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil é uma agenda política ampla que tem o objetivo de aperfeiçoar o ambiente jurídico e institucional relacionado às organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado.

As ações do Marco Regulatório definiu três eixos orientadores: contratualização, sustentabilidade econômica e certificação. Estes temas são trabalhados tanto na dimensão normativa – projetos de lei, decretos, portarias – quanto na dimensão do conhecimento – estudos e pesquisas, seminários, publicações, cursos de capacitação e disseminação de informações sobre o universo das organizações da sociedade civil.
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Por que um novo marco?

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As Organizações da Sociedade Civil (OSC's) são valiosos recursos sociais do nosso país. Surgem da ação e consciência dos cidadãos que decidem se reunir para discutir a realidade em que vivem, cobrar o Poder Público e promover ações concretas para mudar o mundo e a sociedade em que vivemos.

A participação da sociedade é essencial na concepção, execução e acompanhamento de políticas públicas. E para que essa participação se concretize, as organizações da sociedade civil são atores fundamentais.

As parcerias entre o Estado e as organizações da sociedade civil qualificam as políticas públicas, aproximando-as das pessoas e das realidades locais e possibilitando o atendimento de demandas específicas de forma criativa e inovadora. No entanto, as normas existentes são imprecisas em relação às parcerias, e não deixam claras quais são as regras aplicáveis às organizações da sociedade civil. Isso gera um cenário de insegurança jurídica e institucional, tanto para gestores públicos quanto para as organizações. O novo marco tornará essa relação mais segura e amparada em regras consolidadas.
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De quais organizações estamos falando?

 
O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil irá estabelecer novas regras para as entidades privadas sem fins lucrativos, ou seja, às associações e fundações criadas em torno de desejos e objetivos comuns, que desenvolvem ações de interesse público e não têm o lucro como objetivo. São as organizações que atuam na promoção de direitos e de atividades nas áreas de saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, desenvolvimento agrário, assistência social, moradia, entre outras.

Dados divulgados pela pesquisa Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (Fasfil) indicam que existem no Brasil 290,7 mil organizações da sociedade civil. A maior parte delas surgiu após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que reconheceu a organização e a participação social como direitos e valores a serem garantidos e fomentados.
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O que vai mudar?

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VALORIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

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-> Instrumento Jurídico Próprio
Com o Marco Regulatório, as organizações da sociedade civil serão valorizadas. As parcerias com o Poder Público serão feitas com um instrumento jurídico próprio, mais adequado à sua forma de funcionamento. Isso fará com que o convênio seja utilizado apenas para a relação do governo federal com os estados e municípios. O novo instrumento permitirá o fomento às organizações da sociedade civil que já desenvolvem atividades de interesse público e o compromisso dessas organizações com as políticas públicas.
-> Novas Diretrizes e Princípios
Gestão pública democrática, participação social, autonomia das organizações e fortalecimento da sociedade civil irão somar-se aos princípios da Administração Pública. Tais princípios tornam a gestão pública mais conectada com a realidade da sociedade civil organizada no Brasil e garantem às organizações a autonomia necessária para se relacionar com o Poder Público.
-> Atuação em Rede
O trabalho das entidades que desenvolvem projetos em conjunto será reconhecido como atuação em rede. Para tanto, elas devem especificar em seu projeto quais atividades cada uma irá desempenhar, sendo uma delas a responsável pelo projeto como um todo.

TRANSPARÊNCIA E CONTROLE DO DINHEIRO PÚBLICO


-> Chamamento público
A seleção de projetos para determinado programa deve garantir oportunidades de acesso a todas as organizações da sociedade civil interessadas. Para tanto, o órgão do governo responsável deverá publicar um edital chamando todas as organizações a apresentarem suas propostas. Esta regra já foi prevista no Decreto 7.568/2011 e o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil irá fortalecê-la ainda mais.
->Aprimoramento do Siconv
Criado em 2008, o Sistema de Convênios, Contratos de Repasse e Termos de Parceria do Governo Federal (Siconv) é a principal ferramenta de gestão e transparência dos recursos repassados pelo governo
federal. Com o novo Marco Regulatório, o sistema deverá criar uma interface própria para o Termo de Fomento e Colaboração, apoiando o acompanhamento e registro de todas as etapas dos projetos realizados em parceria com as organizações. Além disso, para facilitar a alimentação dos dados, deverão ser elaborados manuais explicativos e oferecidos gratuitamente cursos de capacitação online.
-> Equipe de trabalho
Para que os projetos sejam desenvolvidos por profissionais com envolvimento e conhecimento do tema, o Marco Regulatório reconhece a possibilidade do pagamento de equipe com os recursos da parceria. Para tanto, os valores devem estar previstos no plano de trabalho, serem proporcionais ao tempo dedicado à atividade e à qualificação dos profissionais, e compatíveis com os valores praticados na região. Isso é importante porque a equipe de trabalho garante o alcance dos resultados dos projetos e a boa gestão dos recursos públicos.
->Ficha limpa para organizações e dirigentes
Inspirada na Lei da Ficha Limpa eleitoral, o Marco Regulatório propõe que as organizações e os dirigentes que tenham utilizado dinheiro público indevidamente em projetos anteriores fiquem impedidos de assinar novas parcerias.
-> Prestação de contas simplificada
A prestação de contas de recursos públicos deve ser feita a toda a sociedade brasileira, sendo, portanto, responsabilidade tanto dos gestores governamentais quanto das organizações. A principal mudança com o novo Marco Regulatório será tornar mais simples a prestação de contas de projetos com valores menores e acompanhar com ainda mais proximidade os projetos que envolvam mais recursos.

EFICIÊNCIA NOS PROJETOS


-> Mais planejamento **
O planejamento é uma etapa fundamental para a realização de uma boa parceria. Com a nova legislação, o órgão público deverá indicar no edital as ações que pretende alcançar, o interesse público envolvido, o diagnóstico da realidade que pretende transformar, os benefícios e os prazos de execução da ação. A organização, por sua vez, deverá elaborar cuidadosamente seu projeto, prevendo os objetivos, as metas, os custos, as atividades e os profissionais envolvidos em cada etapa.
Monitoramento e avaliação
Para garantir o monitoramento das parcerias, é importante que os órgãos públicos se preparem para esclarecer dúvidas e capacitar as organizações desde o momento da concepção do projeto até a fase de prestação de contas. Para tanto, o Marco Regulatório propõe a criação, nos órgãos públicos, de uma Comissão de Monitoramento e Avaliação, que seja responsável por formular procedimentos de acompanhamento das parcerias, sugerir uniformização de entendimentos e identificar boas práticas, entre outras atividades de apoio.
-> Revelando resultados
Para revelar os resultados do trabalho das organizações da sociedade civil, o Marco Regulatório busca incentivar a padronização de objetos, custos e indicadores, apontando também a necessidade de considerar as diversidades regionais. Com isso, inicia-se uma transição para o controle dos resultados das parcerias, que volte o olhar para o seu impacto nas políticas públicas, garantindo maior transparência e eficiência no gasto do dinheiro público.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Dênis de Moraes: Reforma Agrária foi o que mais preocupou as classes dominantes

  Por José Coutinho Júnior
  Da Página do MST*



O período que precedeu o golpe militar foi marcado por intensas lutas sociais no campo. As Ligas Camponesas e os sindicatos rurais mobilizavam os camponeses para exigir que os direitos dos trabalhadores rurais fossem cumpridos.
Na esteira dessas mobilizações, o governo de João Goulart realiza diversas medidas que beneficiam os trabalhadores, além de anunciar que priorizaria a Reforma Agrária nas reformas de base, conjunto de medidas planejadas para garantir direitos sociais e desenvolver o país.
Pouco tempo depois de anunciar as reformas de base, João Goulart foi deposto por um golpe militar, apoiado pelos setores mais conservadores da sociedade. Para o jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Dênis de Moraes, a Reforma Agrária foi um dos pontos que mais incomodou as classes dominantes.  
“Goulart apontou reformas de base em várias áreas, mas uma das que mais preocupava as classes dominantes eram as medidas em relação à Reforma Agrária e as grandes linhas para o desdobramento da democratização do campo”.
Em entrevista à Página do MST, Dênis de Moraes analisa o papel das lutas sociais no campo durante o governo Goulart, no período da ditadura militar e a diferença na luta pela terra daquele período com as de hoje. Confira:
Que fatores levaram ao surgimento das reformas de base?
Para entendermos a dimensão das medidas tomadas por Goulart, precisamos analisar a crise agrária da época. 
Havia predominância absoluta do latifúndio: propriedades com mais de 1000 hectares representavam mais da metade do total do território agricultável. Os produtos agrícolas originários do latifúndio eram os principais itens da nossa pauta de exportação. 
A luta de classes se intensifica, porque o lucro dos grandes proprietários rurais ultrapassava os limites, mas o arrocho salarial e as condições semifeudais que presidiam as relações sociais no campo revoltavam os setores mais mobilizados e conscientes dos trabalhadores rurais. 
Ocorre um surto de mobilizações do campo que se materializou, no governo Goulart, no reconhecimento dos sindicatos dos trabalhadores rurais pelo Ministério do Trabalho. 
Ele não foi só o homem que anunciou as principais reformas de base e se comprometeu a lutar por elas, ele tomou medidas para beneficiar os trabalhadores antes disso. Os benefícios da previdência social foram estendidos aos camponeses.
É no governo Goulart que é criada a Superintendência de Reforma Agrária (Supra) e se aprova o estatuto do trabalhador rural, uma espécie de CLT para os trabalhadores do campo.
Em relação às reformas de base, nenhum presidente foi tão longe no elenco de medidas para tentar conter o latifúndio e desapropriar terras improdutivas. 
Ele mostrou consciência de que as terras devolutas da União deveriam ter uma destinação social para fixar o homem na terra, permitindo a pequena produção agrícola.
As reformas de base, no sentido do que elas representaram em grandes metas, continuam atuais porque simplesmente não tivemos até a presente data nenhum governo que se debruçasse com a coragem necessária ao problema do campo. 
As reformas de base eram medidas estritamente capitalistas, ou representavam algo mais?
Temos que lembrar que o governo Goulart não era de esquerda. Era um governo que hoje podemos classificar de centro esquerda com viés progressista. 
Mesmo não sendo de esquerda, e sem nenhum compromisso explícito para uma transição de caráter socialista, ele conseguiu avanços consideráveis, que governos posteriores que se apresentavam com plataformas socialistas, como foi o caso do inicio do governo Lula, não fizeram.
Esses avanços importantes do governo assustaram os setores conservadores, tanto na sociedade civil como nas forças armadas. 
Goulart apontou reformas de base em várias áreas, mas uma das que mais preocupava as classes dominantes eram as medidas em relação à Reforma Agrária e as grandes linhas para o desdobramento da democratização do campo.
A burguesia em nenhum momento apoiou o governo Goulart?
O que ocorreu foi a ruptura de um pacto social que envolvesse a burguesia nacional, associada ao capital estrangeiro e ao imperialismo. Até 1963 uma parte da burguesia nacional tinha uma expectativa em relação ao governo. 
Com o aprofundamento da concentração golpista, que penetrou de maneira muito forte em setores da classe média, no empresariado e no latifúndio, se configurou um quadro em que a animosidade contra as reformas de base se expandiu, apesar de ter apoio consistente de setores populares. 
Os golpistas veem que o presidente precisava se apoiar cada vez mais nas classes populares e setores mais politizados da classe média e deixam patente que não haveria possibilidade de um pacto social que buscasse acomodar interesses divergentes, vendo na conduta do governo e na pressão organizada que crescia na sociedade ameaças aos seus privilégios e intentos de dominação política. 
Por que a esquerda não se opunha fortemente à burguesia? 
Uma das ilusões fundamentais da esquerda naquela fase foi a de que a burguesia poderia participar de uma aliança com os setores populares não só no sentido de assegurar a governabilidade, mas em ter um pacto de classes que permitisse um processo de transição para um país mais evoluído, menos desigual. 
Foi uma ilusão grave, porque conduziu a uma ideia de que era possível conter a mobilização nas cidades e no campo para que não houvesse um quadro de acirramento da luta de classes, e com isso seria possível acomodar ou conciliar os interesses do trabalho e do capital. 
Isso se revelou trágico, porque muito antes do golpe militar, a burguesia nacional estava onde sempre esteve: do lado do interesse do grande capital, da mercantilização generalizada. Parte da esquerda só na semana que antecedeu o golpe mostrou ceticismo no caráter de progressismo da burguesia nacional.
Qual foi o papel das Ligas Camponesas nesse período?
A trajetória das Ligas é um dos momentos mais significativos em termos de mobilização dos trabalhadores rurais do país. Esse movimento vem desde Juscelino Kubitschek, com o acirramento dos conflitos no campo e a brutalidade dos proprietários em não reconhecer os direitos elementares sociais, trabalhistas e previdenciais dos trabalhadores. 
As Ligas representaram um momento extraordinário de convencimento, conscientização e organização de áreas importantes do meio rural, no sentido de fazer valer direitos no processo de enfrentamento cada vez maior dos grandes proprietários. Além disso, ocorria o processo de sindicalização dos trabalhadores.
A partir da influência cada vez maior da Revolução Cubana e de movimentos de libertação em outros países, as ligas radicalizavam seu ideário e métodos de ação política. Não foi uma radicalização negativa no sentido de atropelar o estado de direito democrático e a legalidade constitucional.
Mas a direita apresentava a mobilização dos trabalhadores rurais como uma quebra de princípios constitucionais, como se os trabalhadores não pudessem reivindicar condições e direitos básicos. Para a direita rural, os trabalhadores rurais eram como escravos, pois lhes eram negados de maneira quase absoluta os direitos.
Essa radicalização precisa ser analisada, pois em certos momentos as Ligas acreditavam ter mais poder do que de fato tinham. A partir de 1963, elas tem uma guinada à esquerda, com palavras mais revolucionárias, perdendo de vista que a sociedade vivia uma intensificação da luta de classes em um processo cada vez mais difícil, complexo e violento.
Antes do golpe, talvez as lideranças do movimento camponês tivessem perdido a bússola da correlação de forças. Consideravam que a balança pendia para o lado dos trabalhadores, quando o que existia era um cabo de guerra.
De um lado as forças dominantes, lideradas pelos grandes proprietários rurais, apoiados pelo conservadorismo e golpista; de outro o movimento dos trabalhadores rurais, tentando fazer cumprir seus direitos.
E os trabalhadores não dispõem dos recursos que a classe dominante tem. Ao lado dos proprietários estava a grande imprensa, que transformava as ligas e o sindicato em “adversários da democracia”, criminalizando o movimento, não diferente do que ocorre hoje em relação ao MST e outras organizações da sociedade civil que lutam pelos direitos dos trabalhadores.
Era uma disputa feroz e que pendia para o lado conservador, na medida que tinha apoio maciço dos meios de comunicação e do congresso nacional, muito conservador, que tornava difícil a aprovação de leis aos trabalhadores.
E depois do golpe, o que ocorreu com a luta no campo?
A história se concentra muito na repressão urbana, mas as Ligas Camponesas sofreram uma repressão barbárica, com prisões, torturas e perseguições das mais hediondas aos líderes. Os sindicatos rurais foram fechados, e os atos do presidente Goulart e da Supra anulados.
Esse processo não teve fim até a reabertura política, o que resultou numa involução de todo o processo de organização e mobilização feito pelas Ligas e sindicatos.
Por outro lado, assistimos ao fenômeno que resultou na versão mais perversa do agronegócio, que aumentou a concentração fundiária e preservou os interesses dos grandes proprietários. A entrada de capital estrangeiro nas atividades agrícolas do país encontrou na ditadura militar um estímulo e alavanca. 
O processo pós golpe teve uma dupla violência, no sentido de desmantelar a organização dos trabalhadores do campo e suprimir os avanços em vigor no governo Goulart, além de permitir uma presença indiscriminada dos monopólios da terra, que já vinham de antes, mas que foram reforçados. 
Hoje ainda há no Brasil alta concentração de terra, criminalização dos movimentos, forte presença do capital financeiro no campo... o que mudou do período da ditadura para cá? 
A mudança mais benéfica é o surgimento de organizações que foram aos poucos recuperando os ideais das Ligas Camponesas e sindicatos rurais no sentido de conscientizar, organizar e mobilizar essa população tão desamparada, submetida a regimes de exploração no campo.
É doloroso reconhecer que mesmo os governos Lula e Dilma avançaram tão pouco nessa questão. Inclusive o governo Dilma investiu menos na Reforma Agrária do que o segundo governo FHC, o que é uma vergonha, uma demonstração de falta de prioridades.
Ao contrário, o agronegócio foi endeusado, a presença do capital estrangeiro tem sido incentivada. 
A luta foi novamente posta como prioridade pelos trabalhadores, e não podemos negar que as necessidades e carências do campo estão postas perante a sociedade.
O que me parece ser um dramático mais do mesmo é verificarmos na segunda década do século XXI que grande parte das questões majoritárias que envolvem a concentração fundiária nesse país continuam intocadas. 
A concentração de terras continua presente, com vertentes do agronegócio que não tem o menor compromisso com o país e, por incrível que pareça, merecem apreço por parte de partidos que antes defendiam a Reforma Agrária, que quando chegaram ao poder rasgaram suas biografias e passaram a se conciliar com esses interesses a pretexto de que isso é a “modernização no campo”.
A modernização não pode ser feita em detrimento das garantias e direitos que o trabalho precisa ter. Hoje criamos uma modernização de rentabilidade dos processos produtivos, mas nos conservamos na vanguarda do atraso em termos de proteção social e defesa dos direitos humanos no campo. 
Se isso é muito triste de constatar, mais razões temos para lutar, mesmo que seja um longo e árduo processo. Milton Santos costumava dizer que nossa tarefa enquanto militantes sociais é ter a luta como valor central, e não podemos nos abater com esse cenário. 
Pelo contrário, devemos nos fortalecer mais ainda apesar de todas as diversidades e obstáculos em uma luta que é essencialmente cidadã e civilizatória. 
Outros países na América do Sul estão democratizando o campo, exercendo severo controle sob a produção agrícola, utilizando de medidas legais para atenuar, quando não modificar radicalmente, o problema da concentração do campo. Precisamos fazer o mesmo. 
Você acredita que fatores como a repressão aos movimentos sociais, violência policial e campanha midiáticas a medidas mais progressistas do governo apontam para outra guinada conservadora na sociedade brasileira? 
É difícil sustentar com elementos concretos a ideia de que a sociedade está se tornando mais conservadora, mas muitas observações podem ser comprovadas na realidade do país. 
É fato que, desde a ditadura, o atual momento do Brasil seja o que há mais violência e repressão desde que terminou a ditadura. Isso é preocupante, porque mesmo num período democrático, uma série de direitos constitucionais são colocados em xeque por setores conservadores, que tem forte capacidade de influenciar a opinião pública pelos meios de comunicação. 
A mídia não é a única responsável; o governo nada fez para democratizar as concessões públicas do país de rádio e TV, há uma inércia governamental que revela uma contradição enorme entre o discurso de alguns líderes da coalizão governamental.
O ex-presidente Lula, que sistematicamente se queixa das deturpações e mentiras dos meios de comunicação, nada fez concretamente, durante oito anos de governo, para reverter a concentração responsável pela prevalência dos valores irradiados pela mídia no imaginário social do país. 
Vivemos em um tempo preocupante. Os avanços tem sido tímidos, há uma espécie de temor em enfrentar o conservadorismo da imprensa e do congresso, uma inércia em temas como a Reforma Agrária, saúde, educação, e todas as vezes que há uma iniciativa “menos tímida” para tentar resolver algum desses problemas, há uma reação completamente desproporcional por parte dos setores conservadores.
É preciso romper com essa cadeia de mentira, de medo, de ameaças que rondam propostas que representem avanços à população e de grandes questões. Buscar vontade política e coragem para enfrentar esse conservadorismo, mobilizando a sociedade, que não pode ficar passiva, atordoada diante do que acontece no país. 
Temos que defender as liberdades democráticas e aplicar reformas de base, que possam rever o caminho do desenvolvimento de forma mais igualitária, mais justa e que coloquem a soberania nacional, a defesa dos recursos naturais, as identidades culturais do país a frente dos interesses mercantis.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

FEITO NA VILA: Jaguará símbolo da Teia da Diversidade 2014

Do Movimento Dez Mulheres
Natal sediará um dos mais importantes eventos culturais do país: a Teia Nacional da Diversidade . O evento acontecerá de 19 a 24 de maio e tem como parceiros oInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN (IFRN), a Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do RN (Funcern), a Universidade Federal do RN (UFRN), o governo do RN, a Fundação Capitania das Artes e a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura.
Imagem: Reprodução
O evento visa fortalecer o exercício dos direitos culturais, a atuação em rede, o diálogo e a parceria entre a sociedade civil, gestores, instituições de ensino, instâncias de participação social e sociedade em geral no campo cultural para a qualificação e o fortalecimento de políticas e ações de valorização e promoção da cultura brasileira em todos os seus aspectos e segmentos culturais.

A Teia Nacional da Diversidade 2014 inaugurará um espaço para encontro, reconhecimento, convivência, reflexão, formação e divulgação de temas prioritários dos grupos, coletivos, comunidades e Pontos de Cultura, enquanto representantes dos segmentos socioculturais da nossa diversidade. O evento vai acontecer no campus universitário da UFRN.

Os três Mil visitantes da Teia Nacional de Cultura, levarão de lembrança, o Jaraguá - simbolo do evento, produzido pelo Coletivo Dez Mulheres- Feito na Vila. Um dia intenso e já vestimos o Jaraguá 2.520 peças, só hoje!

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Trabalhadores do MST são assassinados no Rio Grande do Norte

Nesta terça-feira (06/05), após uma mobilização na qual se encontravam 500 trabalhadores acampados da região de Apodi, em luta por conta da jornada de lutas do MST, dois Sem Terra foram executados. 
Dois homens em uma moto preta sem placa abordaram os dois militantes atiram. Ainda não se tem noticias dos assassinos, que fugiram imediatamente.
Charge: Vitor Teixeira
As vítimas são Francisco Laci Gurgel Fernandes, de 34 anos, mais conhecido por Chacal, e Francisco Alcivan Nunes de Paiva, de 46 anos, o Civan. Os companheiros estavam há oito meses no acampamento Edivan Pinto, e durante todo este período ajudaram na organização das famílias na área.

Os crimes aconteceram em uma área de acampamento na qual também está sendo construído o perímetro irrigado do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), área onde os Sem Terra sofrem ameaças constantes de jagunços armados e seguranças da empresa que faz a obra.

As grandes empresas do agronegócio vem matando de toda forma a população, seja com o uso de agrotóxicos ou destas formas brutais que sempre usam para tentar desmobilizar as lutas.
Este caso apenas reforça os dados alarmantes da violência no campo, assim como o descaso com que o governo brasileiro trata a questão agrária. O assassinato de trabalhadores que lutam pela terra no Brasil é constante. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2013 34 trabalhadores foram assassinados.