O projeto de alteração do Código Florestal aprovado no dia 25 de
abril é apresentado como uma lei que vai trazer segurança jurídica para o
setor rural e conciliar a produção com a conservação dos recursos
naturais. Entretanto isso não é bem verdade.
Diversos pontos que
desfiguram este Projeto de Lei como um Código Florestal estão bem
tratados em diversas outras manifestações. Destaca-se aí a anistia ao
descumprimento da lei explicitada no artigo 67, que dentre outros
efeitos penaliza quem cumpriu a lei até agora.
Outro exemplo, que
embora possa parecer preciosismo, prejudica a aplicação da lei é a
definição das áreas de preservação permanente (APP) de topo de morro. O
uso da cota do ponto de sela mais próximo da elevação par defini-la nos
relevos ondulados na prática pode extinguir esta categoria, pois a
maioria das elevações não será abrangida pela mesma.
Inicialmente é
bom ressaltar que o projeto tem alguns pontos positivos, enfrentando
questões que não são bem tratadas no atual Código. Em especial
destaca-se a questão dos usos consolidados em APPs e de Reseva Legal.
Sem defender anistias amplas e irrestritas nestes casos é importante
reconhecer situações, enfrentadas pela quase totalidade de imóveis
rurais no país. A recuperação e proteção integrais destas áreas são de
fato inviáveis. Mesmo assim, reconhecendo a importância ambiental, tanto
para a produção agrícola quanto para a sociedade em geral destas áreas,
é necessário estabelecer condições e contrapartidas para seu uso.
Mas
esse processo pode e deve ser feito de forma melhor que a apresentada,
para que se tenha melhor coerência e qualidade técnica e legal. Alguns
exemplos podem ser destacados, considerando aqui aspectos referentes á
pretendida segurança para os agricultores e aplicadores da Lei.
Pode-se
começar pelo uso inadequado do termo “agrosilvipastoril”, que é central
na definição do uso consolidado, mas não consta dos dicionários.
Sistemas agrosilvipastoris na literatura técnica são situações bem
específicas, que pressupõem a integração na mesma área das três
atividades (agricultura, florestas e pecuária) simultaneamente e não
alternativamente. Por exemplo, o Manual Agroflorestal para a Mata
Atlântica (Ministério do Desenvolvimento Agrário, Secretaria de
Agricultura Familiar, 2008) define: “Sistemas agrossilvipastoris: são
caracterizados pela criação e manejo de animais em consórcios
silviagrícolas…”
Em outros pontos do próprio Projeto de Lei 1876
pode-se observar o uso de outros termos como “atividades agropecuárias”
(art. 3º, inc. VI), agroflorestal (em diversos pontos). No artigo 58 as
duas categorias (agroflorestal e agrosilvipastoril) são tratadas como
distintas. É normal nos casos em que se pretende inovar que a lei traga
definições, tanto é que o artigo 3º deste PL lista 23 definições, mas
não esta, que seria essencial para a aplicação deste conceito e que
ficará condicionada à interpretação dos diversos agentes da lei.
A
obrigação de recompor das faixas marginais em quinze metros apenas dos
cursos d’água com menos de 10 metros de largura é incoerente. A função
ambiental das faixas ciliares não acaba com aumento da largura dos rios.
Em termos de extensão no conjunto do território a maioria dos cursos
d’água será abrangida, mas os efeitos desta regra serão
proporcionalmente maiores nas propriedades menores que nas maiores. É de
se esperar que praticamente todos os imóveis tenham rios menores que 10
metros, e poucos são banhados por rios maiores.
O PL também não
resolve claramente as obrigações das concessionárias e dos proprietários
lindeiros, referentes às APPs criadas com a implantação de
reservatórios d’água, destinados à geração de energia ou abastecimento
público, já existentes.
A elaboração deste Projeto ignorou a Lei
Agrícola (nº 8171, de 17/01/1991) já fazia alguma conexão entre as
questões agrícola e ambiental. Em seu em artigo 99 criava a obrigação
generalizada para todos os imóveis de recompor a RL em até 30 anos. Esta
norma continua em vigor, contradizendo o pretendido novo Código.
A
mesma lei trazia a isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) referente
às APPs e Reserva Legal. O PL 1876 fala em dedução, o que traz dois
conceitos distintos para a mesma coisa.
Assim, esse PL não atende
nem uma proteção dos recursos naturais nem a chamada segurança jurídica,
tão pleiteada. Até por isso, então, o melhor é o veto, e retomar a
elaboração de um Código que contemple verdadeiramente o uso sustentável
dos recursos naturais.
(*) Roberto Ulisses Resende é agrônomo, mestre e
doutorando em Ciência Ambiental, trabalhou na Secretaria do Meio
Ambiente de São Paulo e atualmente é presidente da ONG Iniciativa Verde.
Via Envolverde
Nenhum comentário:
Postar um comentário