O poder do agronegócio
sobre os Estados na Rio+20
Economista aponta agroecologia como
via para superar o superpoder das transnacionais da agricultura.
Eduardo Sá - Rio de Janeiro (RJ)
Com vasta experiência na área
agroecológica no Brasil, o economista Jean Marc Von Der Weid participou junto à
sociedade civil da ECO 92 e vem acompanhando desde a década de 1980 os
movimentos ambientais no Brasil. Atualmente é coordenador de Políticas Públicas
da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) e membro da Articulação
Nacional de Agroecologia
(ANA).
Nesta entrevista ele fala sobre a
perspectiva de fracasso da Rio+20, as forças políticas e interesses que estão
em xeque, a falsa visão ambiental da economia verde e aponta a agroecologia
como solução para muitos problemas climáticos e energéticos no planeta. Segundo
o estudioso e militante, a tendência é uma regionalização da cadeia produtiva
alimentar e a potencialização da agricultura familiar para garantir a
alimentação dos povos.
Você
pode primeiro contextualizar o evento que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992 e
os compromissos que foram cumpridos ou não nestes 20 anos?
As
diferenças entre 1992 e a Rio+20 são radicais e contraditórias. Porque hoje
você tem muito mais crítica sobre o modelo de desenvolvimento e o sistema
capitalista no mundo, e muito mais informação dos impactos ambientais. No
entanto, naquela altura havia mais interesse dos governos em discutir esses
problemas e enfrentar as questões. É paradoxal, mas é assim. Hoje as
multinacionais e grandes empresas estão atuando a fundo tanto nos espaços
nacionais para definir as políticas e programas de seus governos na Rio+20,
como participando das delegações oficiais e criando espaços paralelos de
debate. Houve uma série de resoluções importantes do ponto de vista do meio
ambiente e do desenvolvimento em 92, que hoje em dia não tem nada similar sendo
discutido: a Convenção da Biodiversidade e a do Clima, a própria Agenda 21, etc.
O aumento das informações sobre impactos
ambientais resultam no aumento das críticas
aos modelos de desenvolvimento
|
De lá para cá existe, tanto na questão climática,
quanto na biodiversidade, um processo de erosão das decisões que foram tomadas,
as resoluções foram esvaziadas paulatinamente. A questão do clima se
transformou depois na reunião de Copenhagen, que rigorosamente não tem mais
nenhum tipo de compromisso internacional que seja levado a sério. E o governo
estadunidense nunca entrou nos compromissos internacionais sobre a questão
climática. O resultado é uma porcaria, e sequer envolve o compromisso dos
estadunidenses em aplicar as tais resoluções.
A construção da questão ambiental
está muito mais enfraquecida. A fórmula da Rio+20 tem evitado fazer um balanço
do que aconteceu nos últimos 20 anos, e o balanço é lamentável. Você tem algo
oficioso pela ONU que pega todos os acordos feitos de 1992 para cá e sucessivas
reuniões daquelas decisões. Mas não tem nenhuma situação de progresso
internacional do ponto de vista objetivo, e nem do arcabouço jurídico
institucional que deveria reger essas mudanças. Pelo contrário, e o resultado é
que houve uma aceleração do processo de aquecimento global. Na questão da
biodiversidade, estamos perdendo espécies mais rapidamente, sobretudo porque
entrou em jogo a produção transgênica, que foi um arraso em relação à variedade
genética. E várias outras coisas, como perdas de solo e água.
Até que ponto vai a influência da participação
corporativa nas negociações?
A iniciativa empresarial apagou o que
estava acontecendo e simplesmente começou tudo de novo. Em 1992 instituiu-se a
ideia de desenvolvimento sustentável, que sempre foi complicada. O princípio
era interessante, mas quando se define sustentabilidade cada um dá a sua definição.
A Monsanto e a Coca Cola dizem que o que elas fazem é sustentável, por exemplo.
Quando você não tem um critério estabelecendo um conceito universal, cada um
faz e fala o que bem entende. Atualmente está sendo lançado um novo conceito de
economia verde que, na prática, é mais do mesmo pintado de verde. Transgênicos
e agrotóxicos são apresentados como economia verde.
Estamos num momento muito ruim do
ponto de vista do destino da humanidade, porque os governos estão extremamente
enfraquecidos. Essa é outra grande diferença de 92, quando havia uma expansão
da economia internacional que praticamente só fez acelerar até 2008. Se você
descontar a economia da China e da Índia, que ainda se mantêm em expansão
acelerada, embora o ritmo tenha diminuído, o resto do mundo está paralisado.
Não é um bom momento para você falar em reformar o sistema e aplicar recursos
para mudar a base produtiva, porque os governos não vão mudar. Eles querem
manter as coisas como estão, e rezar para que o meio ambiente não reclame.
A tendência é que não ocorram avanços na Rio+20?
Os organizadores acham que não vai
ter avanço. O francês Brice Lalonde, que é secretário da Rio+20, disse em
público que confiava na sociedade civil para agitar a Conferência. Mas a
sociedade civil não está imune aos problemas que o conjunto da economia mundial
está passando. Muitas organizações sociais estão na defensiva tentando segurar
os direitos conquistados ao longo de 50 anos, porque a contra ofensiva patronal
hoje na crise financeira é para derrubar os direitos dos trabalhadores. A
receita aplicada na Grécia é a ameaça para todo mundo. E ao mesmo tempo as
empresas não perdem nada, pelo contrário, com a ameaça de quebra o Estado sai
bancando o prejuízo. Os bancos são os primeiros beneficiários, os grandes
gerentes do sistema financeiro internacional continuam ganhando uma baba sem
restrição nenhuma. Por outro lado, você tem muito mais capital de conhecimento
acumulado pela sociedade civil, principalmente científico, nos temas chave de
92 e hoje. A agroecologia ainda não tinha a segurança que tem para dizer que
não é uma aposta, e sim alternativa clara para o desenvolvimento. Experiências
apontam saídas e soluções para a nossa crise sócio-econômica-ambiental.
Você falou que a gente vive uma crise ambiental sem
precedentes. Quais são as questões mais graves que a humanidade enfrenta hoje?
Você tem dois tipos de riscos, um
ambiental e outro econômico energético. A questão ambiental mais grave, nos
próximos 50 anos, é o aquecimento global, cujos efeitos são devastadores e em
múltiplas direções. Começando por desestabilizar o sistema produtivo agrícola
de forma brutal, e tudo com consequência direta na segurança da humanidade. O
aquecimento global pega pesadamente na qualidade da água e quantidade e
qualidade de alimentos. A agricultura está no coração dos problemas energéticos
e do aquecimento global, mas ninguém está discutindo o que vai acontecer do
ponto de vista energético nos próximos tempos.
Uma das propostas da economia verde
na energia é você substituir combustíveis fósseis por eólico, hidroelétrico,
hidráulico, etc. Mas não é discutido a fundo o quanto precisa fazer e em que
velocidade para responder os problemas de queda na oferta de energia nos próximos
30 anos. Há uma avaliação cada vez mais generalizada de que a era do petróleo e
gás está acabando, e as implicações são absolutamente colossais para a
humanidade. Não há ainda nenhuma alternativa verde que dê conta dessa perda. Os
custos vão ser muito mais altos, e a dificuldade de implantação vai exigir um
tempo de transição muito grande. A crise vai pegar mesmo no
fígado.
E o Brasil está vindo com o pré-sal na contra mão
da história...
Nós estamos achando petróleo numa
quantidade razoável porque as descobertas no mundo são cada vez menores e o
consumo vem crescendo muito rápido. A tendência geral é de queda e custos mais
altos com impacto enorme na economia. Isso vai desorganizar a economia do mundo
como um todo. O sistema alimentar mundial, hoje, tem um custo energético
monstruoso para produzir, processar, transportar e uma perda colossal no
consumo. Tem desperdício ao longo da cadeia, mas o desperdício final, sobretudo
nos países mais desenvolvidos, vai além de 30%. Dados apontam para um desperdício
de alimentos nos Estados Unidos é dez vezes superior ao da África subsaariana.
O sistema mundial foi bolado num período de baixíssimo custo de transporte, com
petróleo a preço de banana. O custo médio nos Estados Unidos de um alimento
normal no prato de um americano é de 5 mil milhas de viagem. No Canadá são 12
mil em média, então esse tipo de situação vai ser completamente desarticulada e
desorganizada. E se fizer biodiesel e álcool combustíveis, vai pegar na cadeia
alimentar pesadamente. O Fidel Castro fez uma comparação dizendo que o álcool
combustível, com esse negócio do biodiesel, é botar em concorrência a
alimentação do pobre com o carro do rico.
Você falou da crise climática e uma crise
energética, e as duas estão associadas...
Enquanto você não tem uma solução
energética de combustíveis fósseis, a tendência é o mundo usar até o limite. Na
medida em que o petróleo está ficando caro, por exemplo, está voltando a se
utilizar o carvão que é o maior emissor de gases de efeito estufa. É um círculo
vicioso. A aceleração do processo de substituição não pode vir simplesmente
pela extinção do que existe, você tem que antecipar com alguma solução que
evite uma situação dramática. Os recursos naturais renováveis têm a ver, por
exemplo, com as estruturas: água, solo, biodiversidade, que são altamente
ameaçadas. Nos anos 90 já tinha perda de aproximadamente 46% de toda a área
cultivada em culturas anuais. São em torno de 2 bilhões de hectares de área de
cultivo, e em torno de 12% já está inviabilizado para produção. Os índices mais
pesados são os da agricultura convencional, o agronegócio, até porque são os
que ocupam as melhores terras do mundo. E a água está acabando por várias
razões, entre elas o aquecimento global, que está interferindo, por exemplo,
nos sistemas de irrigação na Índia e em todos os países dos Andes. Estes
dependem desde o tempo dos incas do derretimento da neve na estação do verão
para alimentar os rios e córregos para fazer irrigação. O problema é que
atualmente você tem invernos em que não neva. Na Índia é pior ainda, porque os
glaciários do Himalaia estão derretendo e quando acabar o Ganges
seca.
Quais experiências propõem uma alternativa para
essa crise energética e climática que você está desenhando?
Na verdade não há nenhuma solução
elaborada que permita você dizer que tem um modelo econômico macro, em grande
escala, que responda a essas questões mundialmente. Uma coisa fundamental que
já vem sendo batida desde o relatório de 1972 é a necessidade de alterar o modelo
de consumo do mundo. A começar pelo consumo energético como, por exemplo, a
civilização do automóvel individual que está condenada. Você tem que criar uma
sociedade que funcione com o transporte público e circuitos mais econômicos.
Porque o automóvel, em particular o dirigido por uma pessoa, é uma das coisas
de pior eficiência energética que você pode achar no mundo. E outras coisas,
como no consumo alimentar esse negócio da milhagem. A pessoa vai ter que se
alimentar de acordo com o que é possível produzir com a menor distância
possível para ela consumir. Então você vai alterar os regimes alimentares mundo
afora, relocalizar o sistema alimentar e, inclusive, mudar as dietas.
Do ponto de vista da produção, na
agricultura o futuro é claramente a agroecologia. É um sistema de balanço
energético positivo. Nos Estados Unidos, para cada caloria servida ao freguês
você investe 10. Com o sistema agroecológico você vai reduzir a emissão de
gases de efeito estufa, segurar as questões de destruição de solo e a economia
no uso de água, além da conservação de biodiversidade. A agroecologia pode ser
operada em níveis muito variados. É um sistema múltiplo de cultivos e criações
intercalados com vegetação nativa manejado de uma forma sistêmica. A estratégia
da agroecologia é mimetizar os sistemas naturais, você se aproxima da
diversidade natural para usar o seu sistema produtivo. É a melhor produtividade
possível por área, mas tem uma série de restrições. Para você manejar um
sistema altamente diversificado e complexo, você vai precisar de mão de obra
qualificada. E vai ter um limite da quantidade de área por mão de obra
utilizada, pois são sistemas em que o nível de mecanização é baixo. Uma
proposta agroecológica no limite de seu potencial de diversidade é, por exemplo,
o sistema de Fukuoka, no Japão, cujo cultivo é misturado dentro do mato. Tudo é
essencialmente manual, não tem absolutamente nenhuma operação mecanizada. Mas
você pode fazer coisas intermediárias, não deixa de ser agroecológico, mas
certamente o nível de eficiência é menor pois o ideal é o máximo de diversidade
de sistema.
Para você fazer um sistema altamente
produtivo de agroecologia vai precisar de agricultores familiares, que são os
que têm interesse e conhecimento. Não é um sistema que opere bem com mão de
obra assalariada, pois esta só funciona com tarefas simples como cortar cana,
colher maçã, conduzir o gado, etc. Se você vai pedir uma tarefa extremamente
complexa ele não tem interesse, porque vai ganhar igual por hora de trabalho. E
é o trabalho não alienado, com interesse direto de quem vive daquilo e de tudo
que ele acumulou de conhecimento para fazer aquele negócio. Há uma simbiose
perfeita entre a agroecologia levada a seu limite máximo e a agricultura
familiar. Isso significa que no futuro precisa de muito mais agricultura
familiar do que você tem hoje.
Isso é uma solução para o inchaço das cidades?
Com certeza, mas a questão dos
Estados Unidos, por exemplo, é que eles têm 2 milhões de agricultores e
precisariam botar 38 milhões no campo. Não é uma coisa que você faça de uma
hora para outra, nem que faça bem. Quando a crise se colocar, eles vão precisar
de gente para produzir alimentos e não vão ter, pois os desempregados nas
cidades não têm conhecimento. Cuba é um bom exemplo de crise energética, pois
viveu numa porrada só o que o mundo está vivendo aos pouquinhos: a perda da
energia fóssil. Eles dependiam do petróleo russo para operar e de repente parou
tudo do dia para noite, porque a agricultura era toda mecanizada. Eles tiveram
que reformar o sistema produtivo de grandes fazendas mecanizadas em
propriedades familiares cooperativas. O grande problema foi achar gente, é uma
operação complicada porque se perdeu conhecimento. E a nossa situação dramática
no Brasil é um processo de perda de conhecimento muito grande, porque a reforma
agrária estancou. No período do Lula houve uma evasão violenta de juventude no
campo, e quem é que vai herdar o conhecimento e continuar a tocar as coisas?
O agronegócio está bem estabelecido no campo
brasileiro?
Ainda tem uma área grande na mão da
agricultura familiar, mas a tendência, até por pressão do governo, é mecanizar
isso também. Aquele programa “Mais alimentos”, que os movimentos chamam de
“mais trator”, levou a mecanização pesada principalmente no sul. Mas em muitos
lugares significou que o cara para mecanizar tem que fazer monocultura,
imediatamente um puxa o outro. Nós temos um patrimônio cultural e um
campesinato bastante rico, mas estamos vivenciando um processo de erosão de
conhecimento e de abandono do campo. No meu cálculo, para o Brasil seriam
necessárias 15 milhões de famílias para o desenvolvimento agroecológico, e
atualmente a agricultura familiar deve ter 4,5 milhões. No governo Lula você
tinha expectativa de fortalecer a agricultura familiar e apertar um pouco os
impactos do agronegócio, mas não aconteceu. O agronegócio está nadando de
braçada e ganhou força, e querem impor o Código Florestal. Vamos ver se a Dilma
vai ter coragem de vetar.
Você pode fazer uma radiografia da agroecologia no
Brasil?
A agroecologia deve ter cerca de 40
anos. O nosso programa foi um grande impulsionador da agroecologia no Brasil,
quando começou em 1983 ainda era algo confinado a alguns profissionais das
ciências agrárias isoladas. Uma garotada da Federação dos Estudantes de
Agronomia, os grupos de agricultura ecológica, era um troço pequeno. Naquela
altura você tinha a agricultura orgânica na direção da agroecologia com a
biodinâmica. De lá para cá houve um avanço muito grande da agroecologia, a
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é uma expressão de movimento
agroecológico significativo que envolve tudo: conhecimento tradicional,
indígena, inovações da agricultura familiar e científica, etc. Existem exemplos
suficientes pelo país afora, não só em outros países do mundo, que mostram o
sucesso da Agroecologia. São várias sistematizações que têm uma eficiência
maior que o sistema tradicional. Existem óticas e interpretações variadas
porque, por exemplo, tem áreas com uma influência maior do sistema de produção
orgânico, que está mais preocupado em produzir para um nicho de mercado, pois
paga mais caro, mas acho que limita um pouco o sistema de produção
agroecológico: poucos agricultores para poucos
consumidores.
O sistema de agricultura orgânica no
mundo padece desse impasse, porque o sistema de regulação, de certificação, é
um sistema de produção de mercado em muitos lugares. Eu vi isso na França.
Quando teve a crise da vaca louca houve um hiperaumento de demanda para
produtos orgânicos. E o presidente da Federação de Produtores de Agricultura
Orgânica disse que estavam cheios de agricultores, mas o sistema de
certificação apertou os critérios de conversão. Freou a capacidade de novos
orgânicos entrarem no mercado.
Quais as dificuldades da aproximação da agricultura
familiar com a agroecologia?
O agricultor familiar enfrenta muitas
barreiras com a legislação sanitária, porque é montada para beneficiar grandes
extensões. E para conversão de um agricultor à agroecologia você precisa
mostrar que o meio ambiente é importante para ele produzir para ganhar.
Frequentemente você entra com diminuição de custo de produção, tirando o
agrotóxico, produzindo com semente crioula e sem adubo químico. E a tendência
desses insumos é aumentar a um ponto que o cara vai ver que esse sistema mais
integrado não só vai reduzir os custos de produção, como aumentar a
produtividade. E, sobretudo, diminuir o risco. Aos poucos ele começa a ver que
os elementos ambientais jogam um papel no sistema agroecológico: primeiro deles
é a conservação do solo.
Então o maior desafio da agroecologia é a
capacitação?
Capacitação. E acho que tem uma
questão pedagógica, uma abordagem correta é conseguir mostrar passo a passo que
essas práticas têm um impacto importante no ponto de vista de custo, de risco,
de benefício para saúde e econômico. Isso é uma questão fundamental.
Quem é
Jean Marc Von Der Weid é economista e participou da ECO 92.
Atualmente é coordenador de Políticas Públicas da ONG Agricultura Familiar e
Agroecologia (AS-PTA) e membro da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
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